Pensa-se o discurso do politicamente correto (DPC) como um dos modelos da contemporaneidade que influencia nos processos de subjetivação.

Quando o sujeito adere à forma do DPC parece ser mais aceito, torna-se parte do todo. Segundo Weinmann (2014), o DPC consiste em um conjunto de intervenções políticas que exercem pressão contra práticas consideradas de assujeitamento, tendo como alvo determinadas manifestações linguísticas que carregam a marca da discriminação com grupos minoritários.

Pensa-se que os alvos do DPC, para além da linguagem, desdobram-se também quanto aos posicionamentos pessoais ou políticos, a maneira de ser, o humor, a literatura, os chistes, enfim, na capacidade de ditar sobre o modelo de conduta do sujeito, no modo de ser e estar na cultura, que pode não condizer com aquilo que realmente se é.

Entende-se que o termo DPC possui uma discrepância conceitual. Caso o discurso seja político, não há como ser correto, pois política remete a diálogo, construção, embate, debate e a existência do contraditório. Portanto, compreende-se que não há possibilidade de um discurso ser político e ao mesmo tempo ser correto e único.

Nesse sentido, entende-se que quando há somente a opção dicotômica de correto/incorreto, podem surgir dois grupos de sujeitos: os que ofendem e os que se sentem ofendidos. Em ambos os casos o sujeito passa a ocupar lugares predeterminados de vilão ou vítima, dependendo do contexto em que esteja sendo usado o DPC.

Destaca-se que nos dois grupos o sujeito parece ser levado pelo DPC e não assume a responsabilidade por suas opiniões e comportamentos, bem como, restringe-se a possibilidade de debate e defesa de ideias, o livre pensar. 

Para exemplificar, pode-se observar que não se utiliza mais a expressão favela, utiliza-se comunidade. Parece que está em jogo a expressão e não a moradia precária, a violência, a educação e o convívio que são o foco do problema nesse contexto. Ou seja, tampona-se o problema ao utilizar a palavra "comunidade", de modo a tornar a condição social desfavorecida em uma condição romantizada para desenvolver uma ideia "bonita" e, logo, aceita.

Parece que o DPC pode vir a restringir a liberdade individual do sujeito em suas expressões a partir da domesticação da linguagem, do comportamento social e da agressividade, inata do ser humano. Entretanto, percebe-se que há um movimento de reforçar a conduta do sujeito para a utilização do DPC. Entende-se que a relação entre os sujeitos pode ficar marcada por um modelo autoritário.

Caso um sujeito julgue-se detentor de um DPC, considerar-se ‘civilizado’, logo, pode achar-se no direito de demonstrar ao outro, que não utiliza do DPC, logo, o ‘não civilizado’, formas de ser e estar no mundo. Nesse sentido, pode-se perceber que o sujeito passa a não respeitar à diferença e a individualidade política do outro. 

Dessa forma, o sujeito imerso no DPC molda-se ao que é solicitado, desconsidera o desejo e permanece impossibilitado de ressignificar a subjetividade pela convivência com a diferença. Além disso, não contribui para a modificação e evolução relativas à própria cultura, pois a liberdade e a criatividade, fundamentais para a mudança, ficam suprimidas por haver somente um modo correto de ser e estar no mundo, enunciado pelo DPC.

Por fim, concorda-se com uma das principais características que marcam a psicanálise com uma ciência da subjetividade que resiste a modismos e sempre renova: a liberdade do sujeito do inconsciente.

É nessa perspectiva que se propôs trabalhar o tema deste artigo, com o intuito de pensar a psicanálise a partir das questões contemporâneas do sujeito que se utiliza do DPC com uma tentativa de tamponar a diferença do outro prometendo a igualdade. 

Os efeitos disso são constados diariamente, quando a agressividade do sujeito do inconsciente se manifesta em forma de violência, tão somente, na dicotômica de certo e errado. Nesse sentido, a violência corre solta pelo sujeito e pela cultura brasileira, e pode trazer consequências imprevisíveis da brutalidade humana em relação à civilização. 

A quem trabalha com a psicanálise, cabe produzir conhecimento sobre temas que se refletem no sujeito e na cultura que habita, para realizar uma leitura crítica e livre, sem preocupar-se com possíveis ataques de quem não reconhece a alteridade de uma teoria e a diferença do outro.